Inaugurado em 2003, o Centro da Cultura Judaica tem um prédio em forma de uma torá (o livro com as leis sagradas para os judeus) aberta para a cidade, projetado pelo arquiteto Roberto Loeb. São 4.981 m2 de área construída, com alta tecnologia e funcionalidade. A diversificada programação atende a todos os públicos. Questiona a cultura judaica com um olhar brasileiro, e mesclando as duas culturas com novas referências e ideias, afirma Yael Steiner, diretora geral executiva do CCJ desde 2007. Uruguaia de nascimento, Yael é formada em cinema. O CCJ tem trazido à cidade importantes exposições e eventos, como Portinari em 2010 e mostra de cinema israelense que começa em junho. Nesta entrevista, Yael explica como funciona o CCJ.
Qual o objetivo do Centro de Cultura Judaico?
A começar pela arquitetura. O prédio representa uma torá aberta para a cidade. Somos um centro cultural aberto parar a cidade. É todo acessível, e ao lado ao metrô Sumaré. Nossa programação abrange todas as áreas, música, cinema, teatro, biblioteca. Em junho, teremos uma mostra de cinema e audiovisual israelense, por exemplo. Temos cine-gastronomia, cursos e muito mais.
Os cursos são relacionados à cultura judaica?
Os cursos fazem parte da Casa do Saber Judaico. Como o de cabala, de danças típicas, de hebraico e por aí vai. A Casa do Conhecimento Judaico é que reúne as exposições e toda a programação através das diversas áreas. Nosso objetivo é refletir, questionar e criar conteúdo que atravessa a cultura judaica e brasileira. Até 12 de junho, temos a exposição de fotografia “Marcados Para”, da Claudia Andujar, sobre os índios yanomamis que vivem na Amazônia. A vivência dela, de uma família judia e húngara, traça uma analogia entre os índios e os judeus marcados para morrer e para viver nos campos de concentração nazistas. São fotos lindas.
Quem frequenta o CCJ?
É 90% não-judeu. Recebemos alunos de escolas públicas e privadas. Em média, são três escolas por dia. Antes da visita, eles têm uma apresentação sobre o CCJ. Não adianta a gente trazer um público, seja do Jardim Ângela ou de outro bairro, que não conheça nada sobre Israel, judeus etc.
E como saem daqui?
Eles confundem e misturam judeus com muçulmanos, com aqueles estereótipos das vestes típicas da região. Aqueles que vêm de uma comunidade mais carente onde a violência está presente criam uma identificação por afinidade sobre a violência, a exclusão. Eles se identificam com a questão da exclusão, da extratificação social e com a violência.
Como eles chegam ao CCJ?
Somos procurados e temos uma equipe que busca esses alunos. Fazemos parte do programa Cultura e Currículo e desde 2010 disponibilizamos horários para visita. Temos uma parceria com a empresa Julio Simões que nos permite buscar as escolas com ônibus. Afinal, muitas vezes eles têm vontade de vir mas não dispõe de meio de transporte.
O CCJ é aberto para todas as religiões e culturas?
Não somos uma comunidade religiosa, nem sinagoga ou clube judeu. Somos abertos e apolíticos. Funcionamos como qualquer outro centro cultural da cidade. Nosso parque temático representa a cultura judaica. Cruzamos a cultura brasileira e a cultura milenar judaica, seja nas artes cênicas ou audiovisuais e focamos a cultura judaica com o Brasil. O visitante, quando atravessa os muros do CCJ, que precisamos ter por razões de segurança, conhece um nova cultura mas não tem nenhum estranhamento. Ele se sente em casa. Esta é uma das nossas missões.
Outras culturas e religiões têm espaço aqui?
Sim, sem dúvida. Acabamos de assinar uma parceria com a PUC-SP, para a criação de uma cátedra de cultura judaica. É um curso inédito em uma universidade católica. Foi um padre católico ligado ao Vaticano quem sugeriu a criação da cátedra.
Nenhuma restrição com relação aos árabes e muçulmanos…
Muito pelo contrário. Trouxemos jornalistas, cineastas, arquitetos árabes e muçulmanos para fazer palestras aqui.
O que o visitante encontra aqui?
Seja um estrangeiro ou um morador da região, ao passar e entrar aqui no CCJ, ele pode entrar e tomar um café, visitar o prédio que tem essa arquitetura própria e ver uma exposição. Ou então assistir a uma palestra ou participar de um evento. Nós brincamos que geralmente o judeu que nos visita vem através de um amigo não-judeu (risos).
Até a parte gastronômica judaica está presente.
Faz parte dos nossos planos abrir futuramente uma delicatessen com gastronomia judaica, como existem em cidades como Nova York, por exemplo. Tínhamos até recentemente um almoço típicamente judeu às sextas-feiras no Gerstein Café.
E o Programa Ajuda Alimentando?
Apoiamos esse programa. São dez voluntárias que têm por objetivo combater o desperdício de alimentos e minimizar os efeitos da fome e da desnutrição. Elas recolhem produtos não perecíveis com empresas e depois redistribuem esses alimentos com instituições, escolas e creches previamente cadastradas que recebem esses alimentos que são recolhidos pelo Ajuda Alimentando. Oferecemos também capacitação para as merendeiras das creches com a nossa nutricionista.
Como o CCJ se mantem?
Somos um centro cultural e temos que correr sempre atrás. Não temos mecenas, nem temos bilheteria. Fazemos parte da Lei Rouanet. Temos parceiros que colaboram e que têm desconto em nossos cursos, por exemplo. Nosso sonho é criar uma rede de amigos com umas vinte mil pessoas que paguem R$ 60 mensais para consumir nossa programação e nos ajudar a manter o CCJ. Nosso custo é mais alto do que você pode imaginar.
Quanto tempo levou para o CCJ ser construído aqui no Sumaré?
A pedra fundamental foi lançada em 1994 e o inauguramos em 2003.
Entrosar a culturas judaica e a brasileira é a missão do CCJ?
O Brasil tem uma diversidade muito grande e a coexistência entre os povos. É lógico que existe aqueles que são anti-tudo, os radicais. Aqui, judeu e não-judeu convivem em paz neste caldeirão cultural que é o Brasil. Temos conflitos sociais e econômicos. Na época da Páscoa judaica, promovemos um encontro com cerca de 120 convidados de todos os credos e culturas. Neste ano, reunimos aqui padre, pai-de-santo, hare-krisna, sheiks muçulmamos, budistas, cônsul da Alemanha e dos Estados Unidos, artistas… E nós não repetimos os convidados no próximo ano. Também fizemos um encontro voltado para a imprensa, que é patrocinado por um nosso parceiro.
Os cursos são mais frequentados por judeus?
Na verdade não. Cursos como o de cabala e o de hebraico, tem mais de 90% dos alunos não são judeus. Quem é judeu e quer estudar o hebraico, procura uma escola judaica. Quem vem aqui é aquela pessoa interessada em aprender a língua hebraica para estudar cabala, ou poder estudar a Bíblia na língua original. Mais de 80% dos alunos de dança judaica não são judeus.
Que contribuição o CCJ trouxe para a cidade de São Paulo?
Temos um centro cultural bonito, bacana e com uma programação com vivência na área de artes. Temos uma excelente programação. A cultura judaica é baseada nesse código atemporal que é o conhecimento milenar que continua contemporâneo. São valores como ética e outros valores, seja através dos cursos e das artes que continuam modernos. Temos um caldeirão cultural muito rico. E não necessariamente temos de legendar que é “judaico”. O interessante aqui é que o nosso visitante participe de uma vivência muito rica. E nesta cidade caótica em que vivemos, nós concorremos com milhares de eventos diários pela cidade. Quando a pessoa decide entrar aqui no CCJ, no mínimo vai sair enriquecido com alguma coisa, seja na arquitetura, por causa de uma exposição…
Qual é o número de visitantes do CCJ?
São 60 mil visitantes durante o ano. Abrimos o ano todo. Só fechamos na segunda-feira.
O CCJ também participa de eventos da cidade…
Sim e há muitos anos. Na Virada Cultural no ano passado, tivemos aqui uma programação totalmente árabe. Lembro que existem judeus-árabes. Eles se vestem igual, comem a mesma comida, só que na ora de orar, cada um reza para o seu Deus. A cultura árabe tem um ramo judeu, cristão, muçulmano. Queremos desmistificar isso.
O carnaval também fez parte da programação do CCJ.
Sim. Neste ano fizemos dois ensaios abertos da Pérola Negra aqui no CCJ. Eles levaram para a avenida um enredo baseado em Abraão.
As pessoas fazem confusão entre judeus e árabes?
Sim, é comum, mas aqui é o local e uma oportunidade para esclarecer isso às pessoas.
O que teremos na mostra de cinema israelense que o CCJ promove em junho?
Fica o convite. A partir do dia 2 de junho, com um filme inédito do Eran Riklis, diretor de Lemon Tree. Teremos um panorama do cinema de Israel com filmes inéditos, tanto comerciais, documentários e filmes para TV que serão exibidos aqui no CCJ, na Hebraica, na USP e uma exibição do filme “A Banda” no Sesc Belenzinho no dia 7 de junho. Tudo é gratuito, do filme à pipoca.